Não roubar (Asteya) - o caminho da honestidade

Não roubar (Asteya) - o caminho da honestidade

Desde pequenos somos instruídos para não roubar. “Roubar é feio!” repetem os pais e todos os que educam. Já sabemos e honramos esse código de conduta. Não é, portanto, novidade, nem o yoga aparentemente acrescenta nada de especial quando referimos que Asteya é uma das cinco disciplinas éticas que devemos observar para com a comunidade que nos rodeia.
Asteya é uma palavra em sânscrito composta pelos termos a que significa não e steya que se traduz como roubar. É honestidade e justiça.
Juntamente com os conceitos de não violência (ahiṁsā), veracidade (satya), desapego pelo que nos provoca limitações ou tristezas (aparigraha) e moderação dos sentidos (brahmacharya), a não-apropriação do que não nos pertence (asteya) constitui uma recomendação séria na base da filosofia do yoga, a qual devemos respeitar na nossa interação com a sociedade.
Maioritariamente pensamos no furto de objetos materiais ou de dinheiro, mas um olhar mais profundo leva-nos a ver que se rouba mais do que isso e provavelmente algo de muito maior valor.
Fico a pensar porque é que as pessoas roubam? Por cobiça, porque a oportunidade surge e parece fácil, alguns por necessidade, outros porque querem cada vez mais. As histórias no mundo da política repetem-se, são devastadoras, tristes e desiludem.
A tentação surge e os dinamismos da mente instigam a pessoa a fazer o mal, anseia-se por riqueza, poder ou reconhecimento e não se olham a meios para atingir esses fins. Deseja-se possuir e desfrutar do que os outros têm e deste desejo nasce o impulso de roubar e cobiçar, não só bens materiais, mas também pensamentos e ideias.
Contudo, o conceito de asteya e o yoga no seu geral ensinam-nos que já temos o suficiente, contrariam a ideia de ter ou fazer mais e mais e que isso é o ideal. Procura-se que estejamos livres de anseios e deste modo evitar grandes tentações, mantendo a tranquilidade. O yogi reduz as suas necessidades físicas e materiais ao mínimo e chega a acreditar que se juntar coisas de que, na verdade, não precisa, acaba por estar a roubar.
Mircea Eliade, no seu livro Yoga, Imortalidade e Liberdade, refere: “Sabe-se, de facto, que na conceção da Índia a renúncia tem valor positivo. Aquele que renuncia não se sente diminuído, mas, ao contrário, enriquecido, pois a força que obtém renunciando a algum prazer ultrapassa de longe o prazer ao qual renunciou.”
Isto faz-me refletir que verdadeiramente praticamos asteya quando temos a oportunidade de furtar e estamos sós. Nessa altura em que ninguém está a observar e comprovar os nossos atos, não roubar seja o que for, poderá até ser tempo num local de trabalho onde já todos se ausentaram e restamos nós, e ao invés agir com dignidade e respeito quer pelos outros quer por nós próprios é um verdadeiro ato de ética.
Uma reflexão mais profunda leva-me a crer que provavelmente todos nós podemos melhorar um pouco, senão vejamos e tenhamos em conta que nos roubamos a nós próprios quando nos privamos do presente (essa verdadeira dádiva) e deixamos que a mente deambule por outras paisagens, projetos ou atos passados e não vivemos no aqui e no agora. A atenção plena ao que está a acontecer é o que torna o presente algo especial e sabemos que esse tempo não voltará a repetir-se!
Buda disse: “Está onde estás… de outro modo, perderás a maior parte da tua vida.”
Duvidar de nós e de quem nos está a ajudar no momento, pode roubar-nos o nosso verdadeiro potencial, pode impedir o nosso desenvolvimento e que alcancemos o que desejamos.
Compararmo-nos com outros e almejar ser diferente rouba-nos a nossa unicidade. Temos de acreditar que valemos pelo que somos, por essa individualidade, esse brilho peculiar. Quando tentamos esconder ou camuflar partes de nós, negamos a realidade e a beleza que nos é própria. Desejar ser como outra pessoa rouba-nos a personalidade e priva os outros de saberem quem verdadeiramente somos.
Asteya conduz à afirmação de nós próprios e leva-nos a apreciar as diferenças que temos dos outros para que seja possível lidarmos com as mesmas com abertura e respeito.
Por outro lado, penso o quanto se deixaria de roubar e quanto poderíamos melhorar se os comportamentos fossem outros. Cada vez que alguém oprime outrem rouba-lhe a liberdade, a paz e a felicidade. Cada vez que alguém maldiz ou humilha outrem está a roubar-lhe a dignidade. Cada vez que implicamos com alguém estamos a roubar a paciência e a energia, as dele e as nossas. Cada vez que alguém com poder é injusto e não dá as verdadeiras oportunidades a quem as merece, está a roubar o desenvolvimento das suas qualidades. Cada vez que alguém se impõe e tenta mudar o carácter de outrem, está a roubar-lhe a essência, a tranquilidade e a possibilidade de viver feliz e em plenitude tal como é. Cada vez que chegamos atrasados, roubamos tempo e a calma a alguém. E com estes comportamentos por vezes perdemos tanto por tão pouco!

A prática de asteya implica gratidão pelo que temos, conforto com o que somos e valorização da vida tal como ela é no momento presente, sem desejar muito mais.
À medida que formos incorporando a atitude de asteya nas nossas vidas, não roubando o que não nos pertence, nem querendo mais do que temos, vamos começando a ver que tudo o que precisamos está ao nosso alcance, não precisamos de ter medo nem retirar nada a ninguém.
Concluímos que o mundo e as pessoas que nos envolvem chegam e são dignos de serem apreciados, usufruídos e amados. E vamos recordando a riqueza imaterial das nossas vidas e a importância de não permitirmos que nos roubem a nossa essência, a nossa força, a nossa liberdade, a tranquilidade a que temos direito e sobretudo a alegria de viver.

अस्तेयप्रितष्ठायां सवर्रत्नोपस्थानम् ॥ ३७ ॥ asteyapratiṣṭhāyāṁ sarvaratnopasthānam ॥ 37 ॥ [Quando] a honestidade estabiliza-se firmemente, todas as riquezas fluem em direção [ao yogi].

Tradução de Pedro Kupfer do Yoga Sūtra de Patañjali (Yoga Sutras, II, 37)

[significando que a prática da honestidade ou o não roubar (asteya) conduz a que todas as joias surjam por si mesmas, ou seja, a riqueza material e espiritual surge espontaneamente sem cobiça, inveja ou atos prejudiciais a outros]

Texto escrito por Cristina Diniz